segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Milan Kundera

Riso? Alguém jamais se importa com o riso? Digo rir realmente, além da brincadeira, da caçoada, do ridículo. Rir, satisfação imensa e deliciosa, satisfação completa...
Eu dizia a minha irmã, ou ela me dizia, vem, vamos brincar de rir? Detávamos uma ao lado da outra numa cama e começávamos. Fingindo, é claro. Risos forçados. Risos ridículos. Risos tão ridículos que nos faziam rir. Então ele vinha, o verdadeiro riso, o riso inteiro, nos levar em sua imensa vaga. Risos explodidos, retomados, sacudidos e loucos... E ríamos até o infinito do riso de nossos risos... Ah, o riso! Riso de satisfação, satisfação do riso; rir é viver de maneira muito profunda.

O texto que acabo de citar foi tirado de um livro intitulado Parole de femme. Ele foi escrito em 1974 por uma das apaixonadas feministas que marcaram com um traço característico o clima de nosso tempo. É um manifesto místico da alegria. Ao desejo sexual do macho, dedicado aos instantes fugazes da ereção, portanto fatalmente associado à violência, ao aniquilamento, ao desaparecimento, a autora opõe, exaltando-o como seu oposto, o prazer feminino, suave, onipresente e contínuo. Para a mulher, desde que ela não seja alienada de sua própria essência, comer, beber, urinar, defecar, tocar, ouvir, ou mesmo estar presente, tudo é prazer. Essa enumeração de volúpias estende-se através do livro como uma bela ladainha. Viver é bom: ver, ouvir, tocar, beber, comer, urinar, defecar, mergulhar na água e olhar o céu, rir e chorar. E se o coito é belo, é porque ele é a totalidade dos prazeres possíveis da vida: o tocar, o ver, o ouvir, o falar, o sentir, mas ainda o beber, o comer, o defecar, o conhecer e o dançar. O amamentar também é uma alegria, mesmo o parto é uma satisfação, a menstruação é uma delicia, essa saliva morna, esse leite obscuro, esse escoamento morno e como que adocicado do sangue, essa dor que tem o gosto quente da felicidade.

Só um imbecil poderia rir desse manifesto da alegria. Todo misticismo é um exagero. O místico não deve temer o ridículo, se quiser ir até o fim, até o fim da humildade, ou até o fim do prazer. Assim como Santa Teresa sorria em sua agonia, Santa Annie Leclerc (é assim que se chama a autora do livro de onde tirei as citações) afirma que a morte é um fragmento de alegria e que só o macho a teme, porque está miseravelmente preso a seu pequeno eu e a seu pequeno poder.

No alto, como se fosse a abobada desse templo da volúpia, explode o riso, transe delicioso da felicidade, auge extremo da alegria. Riso de satisfação, satisfação do riso. Incontestavelmente, esse riso está além da brincadeira, da caçoada, do ridículo. As duas irmãs deitadas na cama não riem de nada de preciso, o riso delas não tem objeto, é a expressão do ser que se alegra em ser. Do mesmo modo que, pelo seu gemido, a pessoa que sofre prende-se ao momento presente de seu corpo que sofre (e fica inteiramente fora do passado e do futuro), também aquele que explode nesse riso extático fica sem lembrança e sem desejo, pois lança seu grito no momento presente do mundo e só quer saber desse momento.

O Livro do Riso e do Esquecimento, Milan Kundera.

4 comentários:

T.Cruz disse...

Viva a alegria de rir!

Unknown disse...

Pi vc eh lokinha amigah, mas te amo, pera ae q eu leio e mando um comentário legal vissi ??^^

Paloma disse...

Kkkkkkkkkkkkkk!!!

Psicopata!!!

Anônimo disse...

"a menstruação é uma delicia"?

Só se for para vc...
Mas Pi tá massa...
Vc acredita que eu li tudinho e achei lindo?

Pq?
Pq rir não é só um verbo é uma capacidade de expressar o que estamos sentido e o seu "rir" é uma belezura...

Te amU Pi-veta

Laís*