terça-feira, 7 de abril de 2009

[Projeto Democratização da Leitura] Gota D'agua - Chico Buarque

Curtam comigo uma fala de Joana, em Gota D'água, de Chico Buarque e Paulo Pontes (1975). Joana fora abandonada pelo amante Jasão, após o sucesso do samba "Gota d'água". A fala é proferida quando Joana fica sabendo que Jasão vai se casar com a filha de Creonte, o explorador da Vila do Meio-Dia, onde mora Joana.

Joana
Pois bem, você
vai escutar as contas que eu vou lhe fazer:
te conheci moleque, frouxo, perna bamba,
barba rala, calça larga, bolso sem fundo
Não sabia nada de mulher nem de samba
e tinha um puto dum medo de olhar pro mundo
As marcas do homem, uma a uma, Jasão,
tu tirou todas de mim. O primeiro prato,
o primeiro aplauso, a primeira inspiração,
a primeira gravata, o primeiro sapato
de duas cores, lembra? O primeiro cigarro,
a primeira bebedeira, o primeiro filho,
o primeiro violão, o primeiro sarro,
o primeiro refrão e o primeiro estribilho
Te dei cada sinal do teu temperamento
Te dei matéria-prima para o teu tutano
E mesmo essa ambição que, neste momento
se volta contra mim, eu te dei, por engano
Fui eu, Jasão, você não se encontrou na rua
Você andava tonto quando eu te encontrei
Fabriquei energia que não era tua
pra iluminar uma estrada que eu te apontei
E foi assim, enfim, que eu vi nascer do nada
uma alma asiosa, faminta, buliçosa,
uma alma de homem. Enquanto eu, enciumada
dessa explosão, ao mesmo tempo, eu vaidosa,
orgulhosa de ti, Jasão, era feliz,
eu era feliz, Jasão, feliz e iludida,
porque o que eu não imaginava, quando fiz
dos meus dez anos a mais uma sobre-vida
pra completar a vida que você não tinha,
é que eu estava desperdiçando o meu alento,
estava vestindo um boneco de farinha
assim que bateu o primeiro pé-de-vento,
assim que despontou um segundo horizonte,
lá se foi meu homem-orgulho, minha obra
completa, lá se foi pro acervo de Creonte...
Certo, o que eu não tenho, Creonte tem que de sobra
Prestígio, posição... Teu samba vai tocar
em tudo quanto é programa. Tenho certeza
que a gota d'água não vai parar de pingar
de boca em boca... Em troca pela gentileza
vais engolir a filha, aquela mosca-morta
como engoliu meus dez anos. Esse é o teu preço,
dez anos. Até que apareça uma outra porta
que te leve direto pro inferno. Conheço
a vida rapaz. Só de ambição, sem amor,
tua alma vai ficar torta, desgrenhada,
aleijada, pestilenta... Aproveitador!
Aproveitador!

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Fala extraída, inicialmente, do livro Teoria Semiótica do Texto, de Diana Luz Passos de Barros. Como lá só havia esse pedaço para análise, procurei a peça completa e encontrei-a no Projeto Democratização da Leitura, uma grande biblioteca virtual gratuita, como toda informação deveria ser... Ela tá disponível no índice de links ao lado.
Ah, deixarei disponível para baixar aqui também, pra vocês que tem paciência de ler no pc quando não tem jeito feito eu, curtirem também!!
Para baixar (download) a peça, clique aqui.

Ps.: Agradecimentos à minha quase-goiabinha favorita Charlene, rsrs. Sempre foi muito incientivado por ela que o Chico entrasse no meu acervo, mas eu não dei muita bola. Bem feito pra mim, perdi tempo ^^

Aloha!!

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