Os Saltimbancos
Composição: Enriquez/Bardotti
Versão: Chico Buarque
Me alimentaram
Me acariciaram
Me aliciaram
Me acostumaram
O meu mundo era o apartamento
Detefon, almofada e trato
Todo dia filé-mignon
Ou mesmo um bom filé...de gato
Me diziam, todo momento
Fique em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua
Toda a noite vão cantando assim
Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás
De manhã eu voltei pra casa
Fui barrada na portaria
Sem filé e sem almofada
Por causa da cantoria
Mas agora o meu dia-a-dia
É no meio da gataria
Pela rua virando lata
Eu sou mais eu, mais gata
Numa louca serenata
Que de noite sai cantando assim
Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás.
--
Essa é em homenagem a mim, rsrs...
Link para download (cantem comigo :p):
http://www.zshare.net/audio/518878052bf570c7/
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
The Raconteurs
Atualmente uma das minhas bandas favoritas, é formada pelos brilhantes Jack White (é, ele mesmo), Brendan Benson (vocais, guitarras, teclados), Jack Lawrence (baixo) e Patrick Keeler (bateria). Bom, não sei direito o que dizer do som deles, é um negócio bem estranho. Ah, qualquer dia desses eu posto os cds, hehe (dá uma preguiça upar arquivos nessa net do mal)...
Enquanto eu não crio coragem, deixo esse vídeo da música Salute your Solution, pra dar um gostinho de quero mais...
Enjoy it!
Enquanto eu não crio coragem, deixo esse vídeo da música Salute your Solution, pra dar um gostinho de quero mais...
Enjoy it!
--
Link do segundo cd "Consolers of the Lonely"... O primeiro vai demorar um pouquinho...
Faixas:
01. Consolers of the Lonely
02. Salute your Solution (olhe para cima!)
03. You Don't Understand me
04. Old Enough
05. The Switch and the Spur
06. Hold Up
07. Top Yourself
08. Many Shades of Black
09. Five on the Five
10. Attention
11. Pull This Blanket Off
12. Rich Kid of Blues
13. These Stones Will Shout
14. Carolina Drama
Enjoy it again!!
Juno
Juno - Trailer Legendado
Trilha sonora linda... Abaixo uma das músicas do filme de que mais gosto...
Anyone Else But You
Michael Cera and Ellen Page
Composição: Inspirado em The Moldy Peaches
You're part time lover
And a full time friend
The monkey on the back
Is the latest trend
Don't see what
Anyone can see
In anyone else
But you
Here is a church
And here is a steeple
We sure are cute
For two ugly people
Don't see what
Anyone can see
In anyone else
But you
We both have
Shiny happy fits
Of rage
I want more fans
You want more stage
Don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
I'm always tryin'
To keep it real
Now i'm in love
With how you feel
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
I kiss you
On the brain
In the shadow
Of the train
I kiss you
All starry eyed
My body swings
From side to side
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
The pebbles forgive me
The trees forgive me
So why can't
You forgive me?
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
Du, du, du, du
Du, du, du, du
Du du du du
Du, du, du, du
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
--
Lindo... Piegas, mas lindo...
Abaixo link para baixar a música... Vamos lá, sejam piegas comigo!
http://www.zshare.net/audio/518871182a368d41/
Trilha sonora linda... Abaixo uma das músicas do filme de que mais gosto...
Anyone Else But You
Michael Cera and Ellen Page
Composição: Inspirado em The Moldy Peaches
You're part time lover
And a full time friend
The monkey on the back
Is the latest trend
Don't see what
Anyone can see
In anyone else
But you
Here is a church
And here is a steeple
We sure are cute
For two ugly people
Don't see what
Anyone can see
In anyone else
But you
We both have
Shiny happy fits
Of rage
I want more fans
You want more stage
Don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
I'm always tryin'
To keep it real
Now i'm in love
With how you feel
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
I kiss you
On the brain
In the shadow
Of the train
I kiss you
All starry eyed
My body swings
From side to side
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
The pebbles forgive me
The trees forgive me
So why can't
You forgive me?
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
Du, du, du, du
Du, du, du, du
Du du du du
Du, du, du, du
I don't see
What anyone can see
In anyone else
But you
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Lindo... Piegas, mas lindo...
Abaixo link para baixar a música... Vamos lá, sejam piegas comigo!
http://www.zshare.net/audio/518871182a368d41/
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Acasos
Tinha aquela garota, que trabalhava no banco. Olhava para ela e meu interior sorria. Enquanto ela batia carimbos e preenchia fichas eu a olhava. Olhava sem jeito como ela colocava o cabelo para trás da orelha, ou como ela fazia biquinho quando algo dava errado.
Ah, como eu olhava aquela mulher...
Eu olhava e ela não me dava bola. Mas como poderia? Ela era tão linda, esbelta, loura, ia trabalhar todo dia de carro, e tinha um jeito legal de olhar as coisas. Sabe quando você olha pra alguma coisa e vê outra coisa? Era assim que a Camila olhava para as nuvens, para as árvores, para os clientes, para o vento...
Ah, como ela olhava o vento e como eu a olhava...
Não que eu olhasse como os outros olhavam, eu olhava diferente, eu olhava e não deixava ela notar feeling algum que passava por mim. Na verdade, ela nem gostava muito de mim, ela dizia que eu não lhe fazia o tipo. É verdade, ela só andava com rapazes brancos, louros, e que tinham carro como ela. Ela não parecia ser acessível. Ela estava num pedestal. Eu achava que jamais conseguiria alcança-la.
Hoje em dia ela diz que eu fui o primeiro em tudo: o primeiro homem, o primeiro moreno, o primeiro fodido... Hoje nós temos filhos, somos felizes, a vida é boa... Hoje ela é mais sensível que ontem, ela deixou de dirigir e a mãe dela mora conosco, mas a vida é boa... Hoje nossa filha tem problemas, ela tem problemas, eu tenho problemas, mas, ainda assim, a vida é boa.
A vida é boa porque, enquanto eu e ela trabalhavamos naquele banco infeliz não imaginariamos que nossas vidas se cruzariam desse jeito por um feliz acaso, e que ela fosse, definitivamente, a banda da minha laranja...
Eu, o primeiro dela em tudo: primeiro homem, primeiro moreno, primeiro fodido...
--
Homenagem (mesmo que ela não saiba ainda) a Regi!! Amo aquela mulher, rsrs...
Ah, como eu olhava aquela mulher...
Eu olhava e ela não me dava bola. Mas como poderia? Ela era tão linda, esbelta, loura, ia trabalhar todo dia de carro, e tinha um jeito legal de olhar as coisas. Sabe quando você olha pra alguma coisa e vê outra coisa? Era assim que a Camila olhava para as nuvens, para as árvores, para os clientes, para o vento...
Ah, como ela olhava o vento e como eu a olhava...
Não que eu olhasse como os outros olhavam, eu olhava diferente, eu olhava e não deixava ela notar feeling algum que passava por mim. Na verdade, ela nem gostava muito de mim, ela dizia que eu não lhe fazia o tipo. É verdade, ela só andava com rapazes brancos, louros, e que tinham carro como ela. Ela não parecia ser acessível. Ela estava num pedestal. Eu achava que jamais conseguiria alcança-la.
Hoje em dia ela diz que eu fui o primeiro em tudo: o primeiro homem, o primeiro moreno, o primeiro fodido... Hoje nós temos filhos, somos felizes, a vida é boa... Hoje ela é mais sensível que ontem, ela deixou de dirigir e a mãe dela mora conosco, mas a vida é boa... Hoje nossa filha tem problemas, ela tem problemas, eu tenho problemas, mas, ainda assim, a vida é boa.
A vida é boa porque, enquanto eu e ela trabalhavamos naquele banco infeliz não imaginariamos que nossas vidas se cruzariam desse jeito por um feliz acaso, e que ela fosse, definitivamente, a banda da minha laranja...
Eu, o primeiro dela em tudo: primeiro homem, primeiro moreno, primeiro fodido...
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Homenagem (mesmo que ela não saiba ainda) a Regi!! Amo aquela mulher, rsrs...
V de Vingança
V for Vendetta
"Remember remember, the 5th of November. Gunpowder, treason and plot. I see no reason why gunpowder, treason should ever be forgot..."
domingo, 23 de novembro de 2008
Dieta da cenoura - parte 3.
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Novembro no Pelô!
Dia 14 (já foi...)
Adoro a Bahia, rsrs...
Orquestra Contemporânea de Olinda (PE), Wado (AL) e o grupo Quixabeira da Lagoa da Camisa (BA).
Dia 15 (já fui, hehe...)
Cidadão Instigado (CE), The Baggios (SE) e SubAquático (BA).
Dia 22 (Num fui! Mas me disseram que foi massa ^^)
Vanguart (MT), Cascadura (BA) e Móveis Coloniais de Acaju (DF).
Dia 29 (levando uma mala [2]...)
Banda Matiz (BA) e as cantoras Silvia Machete (RJ) e Mallu Magalhães (SP).
E adivinha!? A MEIA É R$ 1,00!!!
Adoro a Bahia, rsrs...
Uhullll!!!
Aiai...
Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
A sombra uma paisagem
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa
Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra ao meu favor
Às vezes eu pressinto
E é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussura em meu ouvido
Só o que me interessa
A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa...
Lenine, Labiata.
Aqui no TCA já foi...
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Fullmetal Alchemist
O primeiro anime que eu assisto TODINHO!! Segue abaixo o enredo.
---
O anime conta a história de dois irmãos (Edward e Alfonse Elric), que tentam reviver a mãe (Trisha) através da alquimia. Mas, como a Transmutação Humana é proibida, eles desrespeitam a lei da Troca Equivalente, onde você precisa dar algo de valor igual por outro na transmutação. Portanto o Alfonse perde o corpo e o Edward a perna. Para salvar a alma do Alfonse e liga-la a uma armadura o Edward sacrifica seu braço. Agora, a única esperança de conseguir o braço e perna de Ed e o corpo de Al é a Pedra Filosofal, que amplia os poderes da transmutação e não se submete a lei da Troca Equivalente.
Bom, muita coisa acontece ainda, se quiserem mais informações consultem o site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fullmetal_Alchemist#OVAs
A saga possue 51 episódios(http://www.alchemistproject.net/),
10 OVAS (http://www.alchemistproject.net/index.php?page=media/fma/ovas)
e 01 filme (http://www.alchemistproject.net/index.php?page=media/fma/filme), que é a continuação da história do anime.
Os canais que transmitem os episódios diariamente são o Animax e a RedeTv (com censura).
--
Não se preocupem, daqui a alguns dias eu não precisarei mais roubar os links dos outros. Farei o upload, huhu... Só preciso aprender a rotiar um modem, hee..
Por enquanto o desejo é enjoy it!
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
IDIOTAS QUE FALAM OUTRA LINGUA - RUBEM FONSECA
Um quarto de dormir com um espelho no teto. Ao lado, a porta aberta, um banheiro. No quarto, uma cama de casal, uma cadeira, duas mesinhas de cabeceira, vários litros de Coca-Cola, dois deles vazios, pacotes de batata-frita, maços de cigarro. Silvia está nua, deitada na cama, com uma perna levantada, dobrada, o pé apoiado sobre o joelho. José Roberto está em pé, também nu, ao lado da cama, escovando os dentes.
JOSÉ ROBERTO (enquanto escova os dentes com uma escova sem pasta)
Odeio poucas coisas na vida e uma delas é que você escove os dentes com minha escova. Isso me irrita, não sei como você pode se confundir, nossas escovas são tão diferentes, vê?, a sua é azul, a minha é vermelha, está vendo, azul, vermelha, a sua tem a haste mais comprida, e as cerdas da minha são mais moles e estreitas, e a minha tem um furinho na ponta da haste, a sua não tem. Azul, está vendo?, vermelha, está vendo?, você não é daltônico, eu odeio, odeio, desculpe eu insistir, não é que eu tenha nojo de você, somos casados há quinze anos, mas eu sou, como direi, convencional, casei virgem porque sou convencional, eu escovo os dentes com a minha escova porque sou convencional, eu sou uma esposa fiel porque sou convencional, eu cuido da casa quando você sai pra trabalhar das nove da manha as nove da noite porque sou convencional, o homem trabalha e a mulher cuida da casa e eu aceito isso porque sou convencional e odeio que você escove os dentes com a minha escova porque sou convencional.
SÍLVIA
Você imita perfeitamente, só falta aquele hum ham que ela faz. Hum, ham.
JOSÉ ROBERTO
Ela falou meia hora sem parar sobre eu escovar os dentes com a escova dela. Foi nessa hora que eu decidi.
SÍLVIA
É por isso que você está escovando os dentes com a minha escova? Pra se vingar dela?
JOSÉ ROBERTO
Eu sempre escovei os dentes com sua escova.
SÍLVIA
E o que você faz todos os dias das nove da manhã as nove da noite?
JOSÉ ROBERTO
Venho para cá.
SÍLVIA
Segundas, quartas e sextas. E nas terças e quintas?
JOSÉ ROBERTO
Vou ao cinema. Tenho que criar um padrão. Para ela não desconfiar.
SÍLVIA
E porque você não vem pra cá nas terças e sextas?
JOSÉ ROBERTO
Quintas. Não quero cansar você.
SÍLVIA
Você nunca me cansa, seu brutamontes fodedor.
JOSÉ ROBERTO
Você não quer saber o que eu decidi?
SÍLVIA
Você não pode decidir nada. O dinheiro é dela.
JOSÉ ROBERTO
Quer ou não quer saber?
SÍLVIA
Você já escovou os dentes. Vem para a cama. Estou pingando.
Sílvia abre as pernas e José Roberto deita-se sobre ela. Beijam-se. Movimentos de fornicação.
SÍLVIA
Anda, diz.
JOSÉ ROBERTO
Estou alucinado por você.
SÍLVIA
O que mais?
JOSÉ ROBERTO
Eu te amo, eu te amo.
SÍLVIA
O que mais?
JOSE ROBERTO
Eu te adoro.
SILVIA
Mais, mais!
JOSÉ ROBERTO
Você é meu sol, o ar que eu respiro (aspira ruidosamente o hálito ofegante da boca de Sílvia), a minha vida.
SILVIA
Fala, fala!
JOSÉ ROBERTO
Adoro foder com você. Meu anjo. Minha luz! Caramba!
SÍLVIA
Mais. Ai, ai, mais, mais, estou quase gozando.
JOSÉ ROBERTO
Adoro enfiar meu pau em você.
SÍLVIA
Estou gozando, me morde, goza comigo.
JOSÉ ROBERTO
Vou matar a Lili.
SÍLVIA
Me mata também. Diz que me mata!
JOSÉ ROBERTO
Eu te mato.
SÍLVIA
Estou gozando.
Os dois se abraçam furiosamente. Rolam na cama. Afinal ficam imóveis, José Roberto com o seu corpo sobre Sílvia, os dois com as pernas esticadas. José Roberto afasta seu rosto.
JOSÉ ROBERTO
Apareceram as olheiras. Gosto do teu rosto com as olheiras. Você ouviu o que eu disse?
SÍLVIA
Que me ama, que me adora. Tuas costas são lindas, cheias de músculos, olha ali no espelho. (Apanha um litro de Coca-Cola, que está vazio. Abre um outro. Enche um copo. Retira batatas do pacote. Bebe e come.) Você acredita nessa história e que Coca-Cola dá celulite?
JOSÉ ROBERTO
Vou matar Lavínia.
SÍLVIA
Só porque ela não deixa você escovar os dentes com a escova dela? Apanha um cigarro pra mim. (Roberto apanha um maço na mesinha de cabeceira ao lado dele.) Obrigada. Onde está o isqueiro? Você sempre me deixa com olheiras. O isqueiro está no banheiro. Deixa que eu vou apanhar.
No banheiro Sílvia, com um lápis de maquiagem, escurece ainda mais as olheiras sob seus olhos. Começa a voltar para o quarto e lembra-se de apanhar o isqueiro. Volta para o quarto.
JOSÉ ROBERTO
Você ouviu o que eu disse?
SÍLVIA
E o cigarro? Dá mesmo câncer?
JOSÉ ROBERTO
Você ouviu o que eu disse?
SILVIA
Que vai matar a Lavínia?
JOSÉ ROBERTO
Não agüento mais.
SÍLVIA
Podíamos fazer uma viagem juntos.
JOSÉ ROBERTO
Viajar é conhecer idiotas que falam outra língua.
SÍLVIA
Você sempre me deixa com olheiras, seu brutamontes fodedor.
JOSÉ ROBERTO
Eu não estou brincando. (José Roberto começa a se vestir.)
SÍLVIA
Você não vai tomar banho?
JOSÉ ROBERTO
Quero ficar com o teu cheiro no meu corpo. (Coloca carinhosamente a mão no púbis de Sílvia. Depois põe a mesma mão sobre o nariz e aspira ruidosamente.) O aroma da vida! Já te falei que antes de te conhecer eu tinha horror de boceta?
SÍLVIA
Leva um presente pra ela.
JOSÉ ROBERTO
O que?
SÍLVIA
Bombons. Pra ela ficar ainda mais gorda.
Cozinha ampla e moderna, cheia de gadgets, da cada de José Roberto e Lavínia. Ela veste um avental rendado sobre um vestido elegante de seda. Usa colar, brincos, anéis. Prepara a comida enquanto consulta um grosso livro de receitas.
LAVÍNIA (colocando os ingredientes numa saladeira)
Endive eu já botei. Alface, rabanete, cenoura, couve-de-bruxelas. Uma pitadinha de vinagre de maça. Ah, a lagosta. Misturar tudo.
José Roberto entra na cozinha com uma caixa grade de bombons na mão.
JOSÉ ROBERTO
Você agora deu para falar sozinha?
LAVÍNIA (escondendo o livro de receitas debaixo de um guardanapo)
Estou fazendo uma salada hum ham para você. Gostou do meu penteado? O Renan é um gênio. Quinze minutos, hum ham vinte no máximo, ele fez esse penteado. Ele não é um gênio hum ham?
JOSÉ ROBERTO
É um gênio.
LAVÍNIA
Como foi seu dia hoje?
JOSÉ ROBERTO
O de sempre. (Provando algo do prato e fazendo uma careta.) Endive de novo? Eu não sou coelho para comer esses troços.
LAVÍNIA
Na folga da Cilda eu sempre faço hum ham uma salada para você. Você tem que baixar o colesterol.
JOSÉ ROBERTO
Endive aumenta o colesterol. Ovo, manteiga, bacon fazem baixar o colesterol, é a ultima descoberta dos pesquisadores de uma universidade sueca.
LAVINIA
Só acredito nas hum ham pesquisas americanas.
JOSÉ ROBERTO
Os americanos confirmaram. Pesquisas recentes. Li isso ontem. Até recortei para você. Depois te mostro.
LAVÍNIA
Não hum ham acredito.
JOSÉ ROBERTO
Está me chamando de mentiroso? Você sabe que eu não minto nunca.
LAVÍNIA
As pesquisas são mentirosas, principalmente as últimas pesquisas. O que é isso que você tem na mão?
JOSÉ ROBERTO
Bombons.
LAVÍNIA
Bombons? Não, não, você sabe que eu não posso comer bombons. Isso da celulite, é um hum ham veneno horrível. (Tira a caixa de bombons da mão de José Roberto e abre a caixa ansiosamente.) Ainda mais esses bombons alemães, são veneno puro, somente uma louca varrida comeria essa hum ham porcaria, porque você faz isso comigo, por quê? Você sabe que eu não resisto, você é muito mal, eu não resisto hum ham bombons, é o meu vicio. (Come vorazmente os bombons, fala enquanto come.) Isto é um veneno, hum ham eu vou hum ham me arrepender, que delicia, uma vez ou outra (come, come) hum ham isto não faz mal, diz que uma vez ou outra hum ham bombom não faz mal. Diz, diz, diz.
JOSÉ ROBERTO
É um veneno. Mas não é o pior dos venenos.
LAVÍNIA (devorando os bombons)
Existe um veneno pior?
JOSÉ ROBERTO
Depende.
LAVÍNIA
Depende de que? Qual o pior veneno para você? Vê o que você fez?, acabei a caixa, meu Deus, hum ham que loucura, comi tudo, hum ham sou uma demente. Eu devia meter o dedo na garganta e vomitar essa porcaria. Qual o pior veneno para você?
JOSÉ ROBERTO
Sonhar.
LAVÍNIA
Que coisa mais sem pé nem cabeça.
JOSÉ ROBERTO
Certos sonhos são muito venenosos. Todos os sonhos são venenosos. Meus sonhos são venenosos.
LAVÍNIA
Você disse que não sonha nunca. Vamos para a sala, a mesa está pronta, tem pão preto, chá de jasmim e grapefruit para comer com a salada.
JOSÉ ROBERTO
Sabe qual é o meu sonho venenoso?
LAVÍNIA
Você tem que comer tudo. Uma boa esposa tem que tomar conta do marido.
JOSÉ ROBERTO
Meu sonho é matar você.
LAVÍNIA (rindo, um pouco perturbada)
Você não tem coragem de matar hum ham uma barata.
JOSÉ ROBERTO
Uma mulher, a própria mulher, é diferente.
LAVÍNIA
E como é que você ia me matar?
JOSÉ ROBERTO
Botando veneno no teu chá de jasmim.
LAVÍNIA
Onde é que está o hum ham veneno?
JOSÉ ROBERTO
Aqui no meu bolso.
LAVÍNIA
Mostra.
José Roberto tira do bolso um pequeno vidro escuro.
JOSÉ ROBERTO
Ei-lo.
LAVÍNIA
Você, hum ham vai botar no meu chá?
JOSÉ ROBERTO
Agora mesmo. Espere aqui. Não se mova.
Lavínia fica imóvel como uma estátua. José Roberto vai para a cozinha carregando duas xícaras de chá.
JOSÉ ROBERTO (volta, estendendo uma das xícaras para Lavínia)
Anda, toma.
LAVÍNIA
Você já me matou untes uma vez, lembra? Com veneno, hum ham também.
JOSÉ ROBERTO
Agora não é brincadeira.
LAVÍNIA
Você está triste. Não fica hum ham triste não. Não gosto de você triste.
JOSÉ ROBERTO
Desculpe. Desculpe.
LAVÍNIA
Isso acontece com muitos homens. De repente, o fogo apaga. E você não quis fazer o hum ham tratamento com aquele medico alemão.
JOSÉ ROBERTO.
Japonês.
LAVÍNIA
Japonês era o do ham hum implante. Implante eu era contra, eu te disse ham hum que era contra o implante, aquilo sempre duro, hum ham que coisa mais esquisita.
JOSÉ ROBERTO (bebendo da sua xícara)
Bebe o veneno.
LAVÍNIA (esvaziando a xícara num único gole)
Você é uma criança sabe?, hum ham, uma criança. E agora? Quer brincar de que? De caubói? Você é o mocinho e eu sou o bandido, ham hum a bandida. Vou apanhar o revolver.
JOSÉ ROBERTO
Desculpe, desculpe. Acho melhor você se sentar.
LAVÍNIA
Vamos para a mesa jantar.
JOSÉ ROBERTO
Senta.
LAVÍNIA
É um fenômeno mental, você sabe, hum ham, não sabe?
JOSÉ ROBERTO
Sei.
LAVÍNIA
Começou quando você começou a trabalhar com o meu pai. Acho que, deixa eu bater na madeira (bate na mesa), quando o meu pai morrer você fica bom, hum ham.
JOSÉ ROBERTO
É possível. Desculpe, desculpe.
LAVÍNIA
Você não precisa pedir desculpa. Isso hum ham acontece até com gente da policia, esses negros fortes.
JOSÉ ROBERTO
Está sentindo alguma coisa?
LAVÍNIA
Um pouco de fome.
JOSÉ ROBERTO
Só?
LAVÍNIA
E vontade de fazer xixi.
JOSÉ ROBERTO
Você não vai fazer xixi porra nenhuma, fica ai sentada. Não está sentindo dor de estomago?
LAVÍNIA
De estomago? Não.
JOSÉ ROBERTO
Nem mesmo uma dorzinha de cabeça?
LAVÍNIA
Não.
JOSÉ ROBERTO (passando a mão no próprio estomago)
Será que eu troquei as xícaras? Caramba, eu troquei as xícaras!
LAVÍNIA
Vamos comer. Você não disse que tinha que sair hoje a noite? Eu também tenho um hum ham compromisso mais tarde.
JOSÉ ROBERTO
Que porra de veneno é esse que não mata ninguém? O cara garantiu que uma gota matava um cavalo. Não se pode confiar em ninguém, puta que pariu, que inferno, nessas horas tenho vontade de morrer.
LAVÍNIA
Faz o implante, querido, um homem ham hum fica muito infeliz quando hum ham não consegue mais cumprir suas obrigações.
JOSÉ ROBERTO
Você vai ou não vai morrer?
LAVÍNIA
Vamos fazer de conta que eu morri. Pronto, morri.
(Fecha os olhos e deita a cabeça para trás.)
JOSÉ ROBERTO (jogando-se sobre Lavínia, agarrando-a pelo pescoço, fazendo-a cair no chão junto com a cadeira. Ajoelhado, ele esgana Lavínia)
Ham hum e morreu mesmo ham hum ham hum ham hum haaam huuum!
Os dois ficam caídos no chão, imóveis.
JOSÉ ROBERTO (levantando-se.)
Veneno de merda.
José Roberto anda pela cozinha. Apanha distraído um pedaço de endive, põe na boca e cospe.
JOSÉ ROBERTO
Endive. Quem foi que inventou essa merda? (Ajoelha ao lado de Lavínia.) Lavínia, Lavínia! (Sacode o corpo de Lavínia.) Você não está brincando, está? (Coloca o ouvido no peito dela.) Caramba, matei uma inocente, matei uma santa! Vou me entregar. Confesso tudo, mereço ser castigado.
José Roberto pega o telefone em cima da mesa e disca.
JOSÉ ROBERTO (ao telefone)
Vamos, vamos, atende. Alô, alô? Matei uma santa! Não está entendendo? Matei uma santa. O veneno não fez efeito, esganei. Como que eu esganei? Com as mãos, porra, agarrei ela pelo pescoço. Antes eu dei a ela o veneno mas o veneno não fez efeito, era um veneno que devia ser instantâneo e matar um cavalo, mas talvez só matasse cavalos, cada animal tem suas enzimas próprias e bateu no estomago dela e não fez efeito, as mulheres são mais fortes do que os cavalos, comprovadamente. Estou falando sério. Ela ficou ham hum ham hum e me deu endive para comer e tudo isso foi me irritando e eu dei o veneno para ela e o veneno não fez efeito e eu agarrei ela pelo pescoço e esganei. E você é a culpada. Claro que você é a culpada, eu te disse que ia matar a Lavínia e você concordou. Implicitamente. O que você vem fazer aqui? Juro que é verdade, ela está estendida aqui na minha frente, a santa, já começou a esfriar. Não sei o que vou fazer com o corpo! Eu estou calmo, eu estou calmo, até onde um assassino calouro pode manter-se calmo. Então vem, então vem. Então acaba de tomar banho e vem. (Desliga o telefone.) Vai demorar uma hora para chegar. Eu sei como ela é.
Toca o telefone. José Roberto tira o telefone do gancho e ouve.
JOSÉ ROBERTO (ao telefone. Surpreso)
Ham hum. (Ouve.) Hum ham. (Desliga o telefone.)
José Roberto senta-se, pensativo.
Tocam a campainha. Ele pega Lavínia e a coloca sentada na cadeira. Som de passos.
VOZ DE HOMEM
Lavínia? Você está ai, Lavínia? Trouxe o material, meu amor.
Um homem surge na porta da cozinha.
JOSÉ ROBERTO
Quem é você?
HOMEM
Silas. Meu nome é Silas. Vim trazer uma encomenda para dona Lavínia. (Nota agora, Lavínia, sentada na cadeira.) Que que houve com ela?
JOSÉ ROBERTO
Silas. Você é o cara que falou comigo no telefone. (Imita) Meu amor, estou levando o material.
SILAS
Pensei que era ela que tinha atendido, que estava resfriada. Você me enganou com o hum ham. Você é o marido?
JOSÉ ROBERTO
Sou o marido. E você quem é, meu amor?
SILAS
Você não ia sair?
JOSÉ ROBERTO
Mas não saí.
SILAS
O que houve com ela?
JOSÉ ROBERTO
Desmaiou.
Silas se aproxima. Olha o corpo.
SILAS
Lavínia, Lavínia, eu volto depois. Tchau.
José Roberto se põe na frente dele.
JOSÉ ROBERTO
Que material você trazia pra ela, meu amor?
SILAS
Isso é maneira de dizer. Trato todas as clientes de meu amor.
JOSÉ ROBERTO
Clientes?
SILAS
Doutor, doutor, sou eu quem fornece o pó para vocês.
JOSÉ ROBERTO
Pó? Para nós? Você está maluco? Eu não tomo nem pó de guaraná.
SILAS
A Lavínia cheira forte.
JOSÉ ROBERTO
Eu não sabia de nada disso. Seu traficante escroto.
SILAS
Tem muita coisa que você não sabe.
JOSÉ ROBERTO
O que, por exemplo?
SILAS
Deixa pra lá.
JOSÉ ROBERTO
Deixa pra lá porra nenhuma.
SILAS
E a culpa não é dela.
JOSÉ ROBERTO
É minha?
SILAS
Isso acontece. Podia acontecer comigo, mas aconteceu com você.
JOSÉ ROBERTO
O que aconteceu comigo?
SILAS
Ela me contou tudo, mas não fica bem eu falar, e ela pediu segredo. Você devia ter procurado um medico, meu chapa. Ela sofreu muito, demorou muito até, até... E eu sempre tratei ela com muito carinho... Ela disse que depois que nós, sabe como é, que é, sabe como é, ficamos íntimos, a relação dela com você melhorou muito. Quer dizer, você continua ao dando no couro, mas ela te trata bem, cuida do teu colesterol, mandou o pai dela te dar um aumento de salário, arranjou um remédio para tua caspa. Enfim, a vida de vocês melhorou muito.
JOSÉ ROBERTO (falando com seus botões)
Ela me enchia de endive enquanto me corneava. (Protestando.) Eu nunca tive caspa.
SILAS
Mas ela te trata bem, não trata?
JOSÉ ROBERTO
Tratava.
SILAS
Sabe por quê? Porque é uma mulher satisfeita. Modéstia a parte, isso você deve a mim. Tratava? Não trata mais? (Para Lavínia.) Hei, benzinho, trata bem ele.
JOSÉ ROBERTO
Devo estar sonhando.
SILAS
Ela está com uma cor esquisita. (Silas segura a mão de Lavínia.) A mão dela está fria. (Silas solta a mão de Lavínia. O braço de Lavínia balança desamparado.) Lavínia, Lavínia! Que marcas são essas no pescoço dela?
Silas recua. Os dois homens se olham.
SILAS
Eu acho melhor eu ir embora.
JOSÉ ROBERTO
Está com pressa?
SILAS
Tenho outra entrega para fazer.
JOSÉ ROBERTO
Como é que era? Vocês dois na cama?
SILAS
Tenho que ir.
José Roberto se põe na frente de Silas.
SILAS
Eu estou armado, meu chapa.
JOSÉ ROBERTO
Mostra a arma.
SILAS
Sai da minha frente.
JOSÉ ROBERTO
Mostra a arma, quero ver.
Silas tira uma faca da cintura.
SILAS
Sai da minha frente senão eu te corto.
JOSÉ ROBERTO
Você está pensando que eu sou broxa, não é? Não sou não, dou duas de pau dentro.
SILAS
Não foi isso que a Lavínia me contou.
JOSÉ ROBERTO
Você pra foder minha mulher tinha que cheirar pó, seu raquítico de merda. Olha aqui o meu braço! Está vendo o muque? (José Roberto tira o paletó, arregaça a manga e mostra o bíceps.) Mostra teu muque. Anda, mostra, fuinha, pilantra, traficante, analfabeto.
SILAS (brandindo a faca.)
O muque está aqui, seu corno broxa.
JOSÉ ROBERTO (abrindo uma gaveta da mesa e tirando uma faca comprida de cortar carne de dentro da gaveta. A gaveta cai no chão com um forte estrepido, espalhando garfos e facas.)
Eu não sou broxa, seu filho da puta.
SILAS
Eu ensinei sua mulher a foder. Ensinei sua mulher a rir.
José Roberto se atira sobre Silas e o golpeia no peito com a faca.
SILAS (pondo a mão no peito e cambaleando)
Você me pegou, me pegou feio.
JOSÉ ROBERTO
Então, heim, heim? Quem é o broxa?
SILAS
Você.
José Roberto levanta o braço para dar outro golpe.
SILAS
Chega, meu chapa. (Vira as costas para José Roberto e caminha lentamente em direção a pia.) nunca machuquei ninguém. Esta faca é só pra fazer farol... para impressionar os trouxas... (solta à faca, que cai no chão.) Meu negócio é dar felicidade para os outros. (Volta o rosto para José Roberto, cansado e melancólico.) Para as mulheres, principalmente.
Silas abre a torneira. Apóia-se na pia. Baixa a cabeça. Deita-se no chão.
JOSÉ ROBERTO
Hei, fuinha, levanta daí. Vou botar um bandeide nesse arranhão e você vai ficar novinho em folha. (José Roberto curva-se sobre Silas.) Não vai morrer e deixar a bomba na minha mão, seu bunda suja. Hei, hei (José Roberto sacode o corpo de Silas com força), seu subnutrido de merda, raquítico escroto, favelado fedorento, vai morrer com uma facadinha que não mata uma galinha? Isso parece um sonho, o filho da puta morreu, caramba!
Passos. Uma mulher surge na porta.
JOSÉ ROBERTO
Porra, Regina, você demorou demais e eu acabei fazendo outra cagada.
REGINA
Eu estava tomando banho quando você telefonou. Eu demoro secando e penteando os cabelos. Você sabe disso.
JOSÉ ROBERTO
Já pedi mil vezes para você cortar os cabelos.
REGINA
Você disse para eu NÃO cortar os cabelos.
JOSÉ ROBERTO
A culpa é sua. Eu matei a Lavínia por sua causa. Ai esse sujeito apareceu e disse que eu era broxa. Sabia que a Lavínia cheirava cocaína?
REGINA
Você matou ela porque ela cheirava cocaína?
JOSÉ ROBERTO
Não, não. Quando eu disse a você que ia abandonar Lavínia você me disse que eu não tinha coragem porque o dinheiro era dela.
REGINA
Eu disse isso?! Você está maluco?
JOSÉ ROBERTO
Isso parece um sonho.
REGINA
Você anda mesmo sonhando. Quando foi que eu disse isso?
JOSÉ ROBERTO
Ontem. Na sua casa.
REGINA
Ontem foi quarta-feira. Você nunca vai lá em casa nas quartas-feiras. Segundas, quartas e sextas você vai ao cinema. Para criar um padrão, como você mesmo diz.
JOSÉ ROBERTO
Isso parece um sonho.
REGINA
E agora?
O telefone toca.
JOSÉ ROBERTO
A coisa que eu mais odeio depois de dentista e endive é telefone.
REGINA
Atende.
JOSÉ ROBERTO
Tem uma coisa que eu nunca contei e devia ter te contado.
REGINA
Atende o telefone.
José Roberto atende o telefone.
JOSÉ ROBERTO (ao telefone)
Tem uma coisa que eu nunca te contei e devia ter contado. Aquela coisa de eu ir ao cinema nas segundas, quartas e sextas... O que? Está certo, eu me confundi, mas terças e quintas, bem, isso era mentira, eu não ia ao cinema nas terças e quintas, eu ia me encontrar com Regina. Quem é Regina? A minha outra namorada. Espera ai, espera ai, deixa eu te explicar, sou um homem dividido, um homem pode amar duas mulheres com o mesmo fervor, procura entender, minha querida. Outra coisa: foi você que disse que eu não podia me separar da Lavínia porque ela era dona do dinheiro?
REGINA (arrancando o telefone da mão de José Roberto com violência)
Alô, como é o seu nome? Sílvia? Olha aqui, Silvia, esse pulha enrolava nós duas. Segundas, quartas e sextas com você, terças e quintas comigo e aquele papo do cinema para criar um padrão. Ele também pedia para você chamar ele de brutamontes fodedor? (Regina dá vários socos no peito de José Roberto, que não se defende.) Estou batendo nele sim. Como? Dando socos no peito do brutamontes fodedor. Bater de leve? Sua idiota, ele tava passando você passando você para trás, estava me passando para trás e agora inventa que matou a mulher por nossa causa. Sim, estou dizendo, ele matou, ma-tou a mulher. Foi você quem disse que Lavínia era dona do dinheiro, não foi?
JOSÉ ROBERTO
Caramba, parece um sonho.
REGINA
Então vem. (Desliga o telefone.) Ela está vindo para cá.
JOSÉ ROBERTO
Que bom, a Silvia é uma pessoa muito prática.
REGINA (dando socos em José Roberto)
Eu também sou muito pratica, seu idiota. Vamos esconder o corpo desses dois infelizes.
JOSÉ ROBERTO
Você será considerada cúmplice se descobrirem. É melhor você ir embora.
REGINA
Quem é esse sujeito que chamou você de broxa?
JOSÉ ROBERTO
Um traficante de cocaína.
REGINA
Defunto barato. O problema vai ser o cadáver da Lavínia.
JOSÉ ROBERTO
Você é um gênio. Maior do que Renan.
REGINA
Quem é o Renan?
JOSÉ ROBERTO
O cabeleireiro dela.
REGINA (dando um soco em José Roberto)
Pára de confundir as coisas. Eu sou Regina, a outra é Silvia. Ela é loura ou morena?
JOSÉ ROBERTO
Loura.
REGINA
Uma loura e a outra morena. Para variar, seu cachorro.
JOSÉ ROBERTO
Nem pensei nisso.
REGINA
Esse closet tem chave? Vamos esconder os corpos aí dentro e depois pensar calmamente no que vamos fazer. Onde está a empregada de vocês?
JOSÉ ROBERTO
Hoje é dia de folga dela.
Os dois levam os cadáveres para o closet. Limpam o chão. Apanham no chão a gaveta de talheres, colocam no lugar e arrumam nela as peças espalhadas pelo chão. Ouve-se a campainha.
JOSÉ ROBERTO
Deve ser a Silvia. (Sai.)
REGINA (acende um cigarro, anda pela cozinha)
Preciso largar este vicio maldito, acho que vou fazer aquele tratamento com laser... Pela cozinha você pode saber quem é a mulher. Pela cozinha e pelo banheiro. Aposto que o banheiro está entulhado de perfumes, cremes, xampus, pomadas, depiladores, antimicóticos, desodorantes e uma balança. É o tipo de mulher que se pesa e se olha no espelho, se pesa e se olha no espelho. Ela não tem um cheiro, um pelo fora do lugar, uma carninha fora do lugar. Não tinha, agora morreu. Morreu, se fodeu. (Levanta o guardanapo que esconde o livro de receitas de cozinha.) Um livro de receitas de cozinha... Agora as dondocas deram para cozinhar, ficou na moda... Quero ver elas arearem as panelas... Salada meridional... três maçãs, dois tomates, um pimentão vermelho, um aipo pequeno, suco de limão, páprica... (Folheia o livro.) Salada de endives com abacate... salada de couve-flor crua com maçã... salada de cenoura crua com agrião e pepino... Este livro só tem salada... Isso não é cozinhar, cozinhar é ensopadinho, feijoada, sopa de entulho, rabada com polenta, carne assada com batatas coradas e molho de ferrugem, tem que ir no fogo, porra!
Entram Silvia e José Roberto. As duas mulheres se olham.
REGINA
Uma loura e outra morena. Uma de cabelo curto e outra de cabelo comprido. Uma magra e outra gorda. Cachorro diversificador!
JOSÉ ROBERTO
Esta é a Regina, esta é a Sílvia.
SILVIA
Vamos ao que interessa. Onde está o cadáver?
REGINA
No closet.
Silvia vai até o closet, abre a porta.
SÍLVIA
São dois? Quem é esse homem?
REGINA
Um sujeito que chamou ele de broxa.
SÍLVIA
Você matou um homem porque ele chamou você de broxa?
JOSÉ ROBERTO
O nome dele é Silas. É um traficante. Ele estava tendo um caso com a Lavínia.
REGINA
Isso você não me contou. Então a santa estava dando por ai, sendo comidinha de traficante. E cheirava cocaína. (Para Sílvia.) Você sabia que ela cheirava cocaína? A santa?
SÍLVIA
Como foi que você foi fazer uma coisa dessas?
JOSÉ ROBERTO
Meu bem...
SÍLVIA
Não me chama de meu bem.
JOSÉ ROBERTO
Não sei como isso aconteceu. Foi sem querer.
SÍLVIA
Você me disse que ia matar a Lavínia e eu não acreditei.
JOSÉ ROBERTO
Eu não queria, comprei um veneno com o prazo de validade vencido e depois agarrei ela pelo pescoço como se a estivesse agarrando pelo braço e quando fui ver tinha esganado ela.
REGINA
E o homem?
JOSÉ ROBERTO
Ele puxou uma faca para mim. (Abre a gaveta de talheres.) caramba, olha, essa faca aqui, está vendo como é diferente? É a faca dele. Não foi porque ele me chamou de broxa. Vocês sabem que eu não sou broxa. Não sabem? Não vão responder?
SÍLVIA
Teu carro está na garagem?
JOSÉ ROBERTO
Está.
SÍLVIA
Um traficante pode aparecer morto em qualquer lugar que ninguém dá bola. Traficante morto é a coisa mais natural que existe.
REGINA
Nem dá mais no jornal.
SÍLVIA
Então? A gente põe ele no carro e deixa num lugar deserto. Depois agente vê o que fazer com a Lavínia.
JOSÉ ROBERTO
Não precisa ir todo mundo. Bastam dois.
REGINA
Você e uma de nós.
JOSÉ ROBERTO
Ou vocês duas. Eu fico para atender o telefone.
Regina dá socos em José Roberto.
SÍLVIA
VOCÊ e uma de nós. Par ou ímpar?
REGINA
Par. Não, impar. Um, dois e três. Você ganhou. Eu vou.
Os três tiram o corpo de Silas do closet. José Roberto sai por um momento e volta com um lençol. Enrolam o corpo de Silas no lençol. Depois, Regina e José Roberto, um segurando em cada extremo do corpo, saem da cozinha.
SÍLVIA (abrindo a geladeira)
Só coisa de dieta. Quem tinha de fazer isso era eu, comer legumes, beber Coca-diet, malhar na academia, deixar de ser gordinha. Por enquanto passa, eu sou nova, as pessoas não me acham gorda, me acham opulenta. Mas essa sirigaita me chamou de gorda, eu fingi que não ouvi mas ela me chamou de gorda, (imita Regina) uma magra e outra gorda... Ela é minha rival, rivais dão golpes baixos, mas talvez ela tenha razão, daqui a pouco todo mundo vai me achar primeiro encorpada, depois nédia, depôs gordinha, depois gorducha, canhão, bucho, estrepe, eu sei, é assim que eu chamo elas. Aqui na barriga eu já posso sentir um pneuzinho maroto, e aqui, aqui em cima do peito, junto do braço tem essa gordurinha saliente, e aqui nas costas é só usar um sutiã apertado que a enxúndia aparece. Eu sou uma mulher pélvica, as mulheres pélvicas engordam mais que as mulheres claviculares, como esta Regina. Abre o olho Sílvia. (Pára na porta do closet.) Eu sou mesmo uma desalmada, egoísta, pensando nas minhas banhas enquanto uma infeliz está morta ali dentro. Morta, para sempre, e se tem céu não sei se ela merece ir para o céu, cheirando cocaína e corneando o marido, ainda que ele merecesse. Ai meu Deus, o que estou fazendo aqui, ajudando um criminoso a esconder um cadáver só porque ele é meu namorado e eu o amo. Ele não merece mas eu o amo, eu tenho que amar alguém, é melhor amar um safado do que ficar chupando o dedo. E está faltando homem no mercado. Porra, como está faltando homem... no tempo da minha mãe sobrava... Eu gostaria tanto de ouvir um pouco de musica agora, comer um sonho de valsa, esquecer tudo e ir para a cama com o meu brutamonte fodedor. (Acende um cigarro.) Também gostaria de deixar de fumar, mas se deixar de fumar eu engordo. A vida é dura.
Som de passos. Regina e José Roberto entram na cozinha.
REGINA
Deixamos o corpo num lugar deserto.
SÍLVIA
José Roberto, tenho uma coisa muito importante para dizer. Isso interessa também a você, Regina. É o seguinte: você tem que escolher entre nós duas. Com as duas não dá. Ou uma ou outra.
JOSÉ ROBERTO
Vamos deixar isso para depois.
REGINA
Agora. Também não gosto de repartir nada.
JOSÉ ROBERTO
Caramba.
REGINA
Caramba porra nenhuma.
SÍLVIA
Vamos. Decide.
JOSÉ ROBERTO
Um homem é capaz de amar duas mulheres ao mesmo tempo...
REGINA
Papo furado.
JOSÉ ROBERTO
Assim como pode gostar de poesia e musica ao mesmo tempo...
SÍLVIA
Eu sou o que? Música ou poesia?
JOSÉ ROBERTO
O que você é? Poesia.
REGINA
Ela é poesia? Essa gorda? Se há uma coisa que não combina com poesia é gordura.
SÍLVIA
Não quero brigar, podia chamar você de feixe de ossos, comida de cachorro, mas não quero brigar. Você é a poesia, eu sou a musica, tudo bem. Mas eu estudei Letras na faculdade.
REGINA (gritando)
Eu também estudei Letras!
SÍLVIA
E as minhas olheiras? O José Roberto adora as minhas olheiras. Eu tenho olheiras, você não tem.
REGINA
Essas olheiras são falsas. (Regina avança para Sílvia e com o dedo tenta apagar as olheiras de Sílvia.) Louras não tem olheiras.
As duas se engalfinham, caem, rolam pelo chão.
JOSÉ ROBERTO
Caramba! Parece um sonho. Essas mulheres enlouqueceram. Meninas, meninas! Vamos parar com isso! Sílvia, Regina, parem com isso. (Joga-se entre elas. Grita.) Nós temos que sumir com o cadáver de Lavínia.
As mulheres param de brigar. Ajeitam as roupas, os cabelos.
REGINA
O problema é seu. Não tenho nada com isso. E afinal, você vai ficar com quem? Comigo ou com ela?
JOSÉ ROBERTO
Você acha que eu tenho cabeça para resolver isso agora? Eu amo vocês duas, juro por Deus! Depois eu decido.
REGINA
Assim que agente sumir com o corpo de Lavínia.
JOSÉ ROBERTO
Assim que agente sumir com o corpo de Lavínia. Prometo, juro.
SÍLVIA
Vou fazer um cafezinho. Você gosta dele forte, não é, amor?
REGINA
Não muito forte. E ele usa adoçante artificial. Três gotas.
SÍLVIA
E você pensa que eu não sei? (Abre os armários, procura.) Está tudo mal organizado, você não acha nada, ah, está aqui o café, os filtros de papel, agora é só botar na cafeteira, ligar e pronto.
JOSÉ ROBERTO (enquanto toma café)
E se agente emparedar a Lavínia? Emparedar uma pessoa não é uma coisa aviltante. E talvez os vermes não comam o emparedado, talvez ele seque como uma múmia. (Percebendo duvida no rosto das mulheres.) Não? É uma pena. Lavínia adoraria não ser comida pelos vermes.
SÍLVIA
Aqui na parede da cozinha?
JOSÉ ROBERTO
Eu tenho uma parede muito boa na área interna que dá para o pátio, o pátio está em obras e os pedreiros deixaram picaretas, areia, cimento, tudo, e só voltam segunda-feira. Venham ver só.
Saem todos. Silencio. Vemos apenas a cozinha vazia um tempo enorme, um tempo irritante, que parece que não passa, que sugere que nada mais vai acontecer, que faz supor que acabou o espetáculo. Alguém na platéia bate palmas. Imediatamente ouve-se um ruído forte e profundo de impacto, e mais outro, batidas que ressoam no espaço da cozinha. Depois um estrondo assustador.
REGINA (off)
Você jogou a parede no chão, seu maluco!
Silencio. Trinta segundos. Entram José Roberto, sujo de detritos, carregando uma picareta, Regina e Sílvia.
JOSÉ ROBERTO
Há coisas que só acontecem comigo. Na casa de meu avô tinha uma parede que precisava ser demolida, de tijolo, só tijolo, e foi preciso um trator, sabe aquele de esteiras?, foi preciso um trator para derrubar a parede.
REGINA
E acharam sua avó emparedada, mumificada e feliz?
JOSÉ ROBERTO
Vou pegar a Lavínia pelo braço e esgano ela, dou uma facadinha à-toa no traficante e mato o sujeito, dou uma picaretada na minha parede e ela desaba. Caramba!
SÍLVIA
Teu astral não está bom. Você devia tomar um banho de sal grosso.
REGINA
E deve ter acordado os vizinhos.
JOSÉ ROBERTO
A casa mais próxima está a mais de duzentos metros. E as arvores abafam o ruído. Os vizinhos que poderiam ouvir são um casal de surdos.
REGINA
É. É um casal de surdos.
SÍLVIA
São um casal de surdos.
JOSÉ ROBERTO
Não vamos brigar por isso. Foda-se a concordância gramatical. Vou tomar um banho.
José Roberto sai.
REGINA
Ele é assim. Foda-se a concordância gramatical, foda-se a lógica, foda-se a fidelidade, foda-se a esposa, fodam-se as namoradas.
SÍLVIA
SÃO um casal de surdos.
REGINA
Fodam-se, foda-se o casal de surdos! (Toma um café.) Foda-se esse café frio! Há quanto tempo você namora com ele?
SÍLVIA
Quatro meses.
REGINA
Eu namoro há oito. No principio ele se encontrava comigo nas segundas, quartas e sextas, depois... Espera ai, tem exatamente quatro meses que ele disse que não podia mais se encontrar comigo nas segundas, quartas e sextas e passou a me ver nas terças e quintas. Foi quando ele te conheceu. Cachorro. O próximo passo dele é me largar, arranjar outra e passar você para as terças e quintas. Acho que até já sei quem é. Ele tem me falado muito numa mocinha que estuda balé.
SÍLVIA
Luciana. Ele me falou nela também.
SÍLVIA E REGINA (simultaneamente)
Filho da puta!
REGINA
Nós fomos os brinquedinhos dele. Quando ele enjoa, joga fora. Daqui a quatro meses ele passa a jovem bailarina para as terças e quintas, que serão os teus dias, e você está fora do esquema. E depois será a vez da bailarina dançar de verdade. Tenho certeza de que antes de nós, havia outras duas chamando ele de brutamenotes fodedor. Que ele descartou também.
SÍLVIA E REGINA
Filho da puta!
SÍLVIA
E nós bobamente escondendo os cadáveres desse traidor.
REGINA (limpando os olhos)
Eu amo esse cara.
SÍLVIA
Você está chorando?
REGINA
Estou. E você não está com vontade de chorar?
As duas se abraçam chorando.
REGINA (chorando, pega o telefone)
Acho melhor agente chamar a polícia. (Disca.) É da polícia?
José Roberto surge, nu, com a picareta nas mãos.
JOSÉ ROBERTO
Vocês estão chamando a policia? Querem me ver na cadeia? (Levanta a picareta sobre a cabeça.) Vou matar as duas.
SÍLVIA (chorando)
Você é um homem bom, doce e gentil.
REGINA (chorando)
Eu pedi para você matar uma barata e você não matou. Lembra?
José Roberto se aproxima das mulheres com a picareta nas mãos. Abraçam-se. Beijam-se. Ouve-se a campainha.
JOSÉ ROBERTO (olhando pela janela da cozinha)
É a vizinha surda. Caramba! Parece um sonho.
REGINA
Vai se vestir. Deixa que eu falo com ela.
FIM
JOSÉ ROBERTO (enquanto escova os dentes com uma escova sem pasta)
Odeio poucas coisas na vida e uma delas é que você escove os dentes com minha escova. Isso me irrita, não sei como você pode se confundir, nossas escovas são tão diferentes, vê?, a sua é azul, a minha é vermelha, está vendo, azul, vermelha, a sua tem a haste mais comprida, e as cerdas da minha são mais moles e estreitas, e a minha tem um furinho na ponta da haste, a sua não tem. Azul, está vendo?, vermelha, está vendo?, você não é daltônico, eu odeio, odeio, desculpe eu insistir, não é que eu tenha nojo de você, somos casados há quinze anos, mas eu sou, como direi, convencional, casei virgem porque sou convencional, eu escovo os dentes com a minha escova porque sou convencional, eu sou uma esposa fiel porque sou convencional, eu cuido da casa quando você sai pra trabalhar das nove da manha as nove da noite porque sou convencional, o homem trabalha e a mulher cuida da casa e eu aceito isso porque sou convencional e odeio que você escove os dentes com a minha escova porque sou convencional.
SÍLVIA
Você imita perfeitamente, só falta aquele hum ham que ela faz. Hum, ham.
JOSÉ ROBERTO
Ela falou meia hora sem parar sobre eu escovar os dentes com a escova dela. Foi nessa hora que eu decidi.
SÍLVIA
É por isso que você está escovando os dentes com a minha escova? Pra se vingar dela?
JOSÉ ROBERTO
Eu sempre escovei os dentes com sua escova.
SÍLVIA
E o que você faz todos os dias das nove da manhã as nove da noite?
JOSÉ ROBERTO
Venho para cá.
SÍLVIA
Segundas, quartas e sextas. E nas terças e quintas?
JOSÉ ROBERTO
Vou ao cinema. Tenho que criar um padrão. Para ela não desconfiar.
SÍLVIA
E porque você não vem pra cá nas terças e sextas?
JOSÉ ROBERTO
Quintas. Não quero cansar você.
SÍLVIA
Você nunca me cansa, seu brutamontes fodedor.
JOSÉ ROBERTO
Você não quer saber o que eu decidi?
SÍLVIA
Você não pode decidir nada. O dinheiro é dela.
JOSÉ ROBERTO
Quer ou não quer saber?
SÍLVIA
Você já escovou os dentes. Vem para a cama. Estou pingando.
Sílvia abre as pernas e José Roberto deita-se sobre ela. Beijam-se. Movimentos de fornicação.
SÍLVIA
Anda, diz.
JOSÉ ROBERTO
Estou alucinado por você.
SÍLVIA
O que mais?
JOSÉ ROBERTO
Eu te amo, eu te amo.
SÍLVIA
O que mais?
JOSE ROBERTO
Eu te adoro.
SILVIA
Mais, mais!
JOSÉ ROBERTO
Você é meu sol, o ar que eu respiro (aspira ruidosamente o hálito ofegante da boca de Sílvia), a minha vida.
SILVIA
Fala, fala!
JOSÉ ROBERTO
Adoro foder com você. Meu anjo. Minha luz! Caramba!
SÍLVIA
Mais. Ai, ai, mais, mais, estou quase gozando.
JOSÉ ROBERTO
Adoro enfiar meu pau em você.
SÍLVIA
Estou gozando, me morde, goza comigo.
JOSÉ ROBERTO
Vou matar a Lili.
SÍLVIA
Me mata também. Diz que me mata!
JOSÉ ROBERTO
Eu te mato.
SÍLVIA
Estou gozando.
Os dois se abraçam furiosamente. Rolam na cama. Afinal ficam imóveis, José Roberto com o seu corpo sobre Sílvia, os dois com as pernas esticadas. José Roberto afasta seu rosto.
JOSÉ ROBERTO
Apareceram as olheiras. Gosto do teu rosto com as olheiras. Você ouviu o que eu disse?
SÍLVIA
Que me ama, que me adora. Tuas costas são lindas, cheias de músculos, olha ali no espelho. (Apanha um litro de Coca-Cola, que está vazio. Abre um outro. Enche um copo. Retira batatas do pacote. Bebe e come.) Você acredita nessa história e que Coca-Cola dá celulite?
JOSÉ ROBERTO
Vou matar Lavínia.
SÍLVIA
Só porque ela não deixa você escovar os dentes com a escova dela? Apanha um cigarro pra mim. (Roberto apanha um maço na mesinha de cabeceira ao lado dele.) Obrigada. Onde está o isqueiro? Você sempre me deixa com olheiras. O isqueiro está no banheiro. Deixa que eu vou apanhar.
No banheiro Sílvia, com um lápis de maquiagem, escurece ainda mais as olheiras sob seus olhos. Começa a voltar para o quarto e lembra-se de apanhar o isqueiro. Volta para o quarto.
JOSÉ ROBERTO
Você ouviu o que eu disse?
SÍLVIA
E o cigarro? Dá mesmo câncer?
JOSÉ ROBERTO
Você ouviu o que eu disse?
SILVIA
Que vai matar a Lavínia?
JOSÉ ROBERTO
Não agüento mais.
SÍLVIA
Podíamos fazer uma viagem juntos.
JOSÉ ROBERTO
Viajar é conhecer idiotas que falam outra língua.
SÍLVIA
Você sempre me deixa com olheiras, seu brutamontes fodedor.
JOSÉ ROBERTO
Eu não estou brincando. (José Roberto começa a se vestir.)
SÍLVIA
Você não vai tomar banho?
JOSÉ ROBERTO
Quero ficar com o teu cheiro no meu corpo. (Coloca carinhosamente a mão no púbis de Sílvia. Depois põe a mesma mão sobre o nariz e aspira ruidosamente.) O aroma da vida! Já te falei que antes de te conhecer eu tinha horror de boceta?
SÍLVIA
Leva um presente pra ela.
JOSÉ ROBERTO
O que?
SÍLVIA
Bombons. Pra ela ficar ainda mais gorda.
Cozinha ampla e moderna, cheia de gadgets, da cada de José Roberto e Lavínia. Ela veste um avental rendado sobre um vestido elegante de seda. Usa colar, brincos, anéis. Prepara a comida enquanto consulta um grosso livro de receitas.
LAVÍNIA (colocando os ingredientes numa saladeira)
Endive eu já botei. Alface, rabanete, cenoura, couve-de-bruxelas. Uma pitadinha de vinagre de maça. Ah, a lagosta. Misturar tudo.
José Roberto entra na cozinha com uma caixa grade de bombons na mão.
JOSÉ ROBERTO
Você agora deu para falar sozinha?
LAVÍNIA (escondendo o livro de receitas debaixo de um guardanapo)
Estou fazendo uma salada hum ham para você. Gostou do meu penteado? O Renan é um gênio. Quinze minutos, hum ham vinte no máximo, ele fez esse penteado. Ele não é um gênio hum ham?
JOSÉ ROBERTO
É um gênio.
LAVÍNIA
Como foi seu dia hoje?
JOSÉ ROBERTO
O de sempre. (Provando algo do prato e fazendo uma careta.) Endive de novo? Eu não sou coelho para comer esses troços.
LAVÍNIA
Na folga da Cilda eu sempre faço hum ham uma salada para você. Você tem que baixar o colesterol.
JOSÉ ROBERTO
Endive aumenta o colesterol. Ovo, manteiga, bacon fazem baixar o colesterol, é a ultima descoberta dos pesquisadores de uma universidade sueca.
LAVINIA
Só acredito nas hum ham pesquisas americanas.
JOSÉ ROBERTO
Os americanos confirmaram. Pesquisas recentes. Li isso ontem. Até recortei para você. Depois te mostro.
LAVÍNIA
Não hum ham acredito.
JOSÉ ROBERTO
Está me chamando de mentiroso? Você sabe que eu não minto nunca.
LAVÍNIA
As pesquisas são mentirosas, principalmente as últimas pesquisas. O que é isso que você tem na mão?
JOSÉ ROBERTO
Bombons.
LAVÍNIA
Bombons? Não, não, você sabe que eu não posso comer bombons. Isso da celulite, é um hum ham veneno horrível. (Tira a caixa de bombons da mão de José Roberto e abre a caixa ansiosamente.) Ainda mais esses bombons alemães, são veneno puro, somente uma louca varrida comeria essa hum ham porcaria, porque você faz isso comigo, por quê? Você sabe que eu não resisto, você é muito mal, eu não resisto hum ham bombons, é o meu vicio. (Come vorazmente os bombons, fala enquanto come.) Isto é um veneno, hum ham eu vou hum ham me arrepender, que delicia, uma vez ou outra (come, come) hum ham isto não faz mal, diz que uma vez ou outra hum ham bombom não faz mal. Diz, diz, diz.
JOSÉ ROBERTO
É um veneno. Mas não é o pior dos venenos.
LAVÍNIA (devorando os bombons)
Existe um veneno pior?
JOSÉ ROBERTO
Depende.
LAVÍNIA
Depende de que? Qual o pior veneno para você? Vê o que você fez?, acabei a caixa, meu Deus, hum ham que loucura, comi tudo, hum ham sou uma demente. Eu devia meter o dedo na garganta e vomitar essa porcaria. Qual o pior veneno para você?
JOSÉ ROBERTO
Sonhar.
LAVÍNIA
Que coisa mais sem pé nem cabeça.
JOSÉ ROBERTO
Certos sonhos são muito venenosos. Todos os sonhos são venenosos. Meus sonhos são venenosos.
LAVÍNIA
Você disse que não sonha nunca. Vamos para a sala, a mesa está pronta, tem pão preto, chá de jasmim e grapefruit para comer com a salada.
JOSÉ ROBERTO
Sabe qual é o meu sonho venenoso?
LAVÍNIA
Você tem que comer tudo. Uma boa esposa tem que tomar conta do marido.
JOSÉ ROBERTO
Meu sonho é matar você.
LAVÍNIA (rindo, um pouco perturbada)
Você não tem coragem de matar hum ham uma barata.
JOSÉ ROBERTO
Uma mulher, a própria mulher, é diferente.
LAVÍNIA
E como é que você ia me matar?
JOSÉ ROBERTO
Botando veneno no teu chá de jasmim.
LAVÍNIA
Onde é que está o hum ham veneno?
JOSÉ ROBERTO
Aqui no meu bolso.
LAVÍNIA
Mostra.
José Roberto tira do bolso um pequeno vidro escuro.
JOSÉ ROBERTO
Ei-lo.
LAVÍNIA
Você, hum ham vai botar no meu chá?
JOSÉ ROBERTO
Agora mesmo. Espere aqui. Não se mova.
Lavínia fica imóvel como uma estátua. José Roberto vai para a cozinha carregando duas xícaras de chá.
JOSÉ ROBERTO (volta, estendendo uma das xícaras para Lavínia)
Anda, toma.
LAVÍNIA
Você já me matou untes uma vez, lembra? Com veneno, hum ham também.
JOSÉ ROBERTO
Agora não é brincadeira.
LAVÍNIA
Você está triste. Não fica hum ham triste não. Não gosto de você triste.
JOSÉ ROBERTO
Desculpe. Desculpe.
LAVÍNIA
Isso acontece com muitos homens. De repente, o fogo apaga. E você não quis fazer o hum ham tratamento com aquele medico alemão.
JOSÉ ROBERTO.
Japonês.
LAVÍNIA
Japonês era o do ham hum implante. Implante eu era contra, eu te disse ham hum que era contra o implante, aquilo sempre duro, hum ham que coisa mais esquisita.
JOSÉ ROBERTO (bebendo da sua xícara)
Bebe o veneno.
LAVÍNIA (esvaziando a xícara num único gole)
Você é uma criança sabe?, hum ham, uma criança. E agora? Quer brincar de que? De caubói? Você é o mocinho e eu sou o bandido, ham hum a bandida. Vou apanhar o revolver.
JOSÉ ROBERTO
Desculpe, desculpe. Acho melhor você se sentar.
LAVÍNIA
Vamos para a mesa jantar.
JOSÉ ROBERTO
Senta.
LAVÍNIA
É um fenômeno mental, você sabe, hum ham, não sabe?
JOSÉ ROBERTO
Sei.
LAVÍNIA
Começou quando você começou a trabalhar com o meu pai. Acho que, deixa eu bater na madeira (bate na mesa), quando o meu pai morrer você fica bom, hum ham.
JOSÉ ROBERTO
É possível. Desculpe, desculpe.
LAVÍNIA
Você não precisa pedir desculpa. Isso hum ham acontece até com gente da policia, esses negros fortes.
JOSÉ ROBERTO
Está sentindo alguma coisa?
LAVÍNIA
Um pouco de fome.
JOSÉ ROBERTO
Só?
LAVÍNIA
E vontade de fazer xixi.
JOSÉ ROBERTO
Você não vai fazer xixi porra nenhuma, fica ai sentada. Não está sentindo dor de estomago?
LAVÍNIA
De estomago? Não.
JOSÉ ROBERTO
Nem mesmo uma dorzinha de cabeça?
LAVÍNIA
Não.
JOSÉ ROBERTO (passando a mão no próprio estomago)
Será que eu troquei as xícaras? Caramba, eu troquei as xícaras!
LAVÍNIA
Vamos comer. Você não disse que tinha que sair hoje a noite? Eu também tenho um hum ham compromisso mais tarde.
JOSÉ ROBERTO
Que porra de veneno é esse que não mata ninguém? O cara garantiu que uma gota matava um cavalo. Não se pode confiar em ninguém, puta que pariu, que inferno, nessas horas tenho vontade de morrer.
LAVÍNIA
Faz o implante, querido, um homem ham hum fica muito infeliz quando hum ham não consegue mais cumprir suas obrigações.
JOSÉ ROBERTO
Você vai ou não vai morrer?
LAVÍNIA
Vamos fazer de conta que eu morri. Pronto, morri.
(Fecha os olhos e deita a cabeça para trás.)
JOSÉ ROBERTO (jogando-se sobre Lavínia, agarrando-a pelo pescoço, fazendo-a cair no chão junto com a cadeira. Ajoelhado, ele esgana Lavínia)
Ham hum e morreu mesmo ham hum ham hum ham hum haaam huuum!
Os dois ficam caídos no chão, imóveis.
JOSÉ ROBERTO (levantando-se.)
Veneno de merda.
José Roberto anda pela cozinha. Apanha distraído um pedaço de endive, põe na boca e cospe.
JOSÉ ROBERTO
Endive. Quem foi que inventou essa merda? (Ajoelha ao lado de Lavínia.) Lavínia, Lavínia! (Sacode o corpo de Lavínia.) Você não está brincando, está? (Coloca o ouvido no peito dela.) Caramba, matei uma inocente, matei uma santa! Vou me entregar. Confesso tudo, mereço ser castigado.
José Roberto pega o telefone em cima da mesa e disca.
JOSÉ ROBERTO (ao telefone)
Vamos, vamos, atende. Alô, alô? Matei uma santa! Não está entendendo? Matei uma santa. O veneno não fez efeito, esganei. Como que eu esganei? Com as mãos, porra, agarrei ela pelo pescoço. Antes eu dei a ela o veneno mas o veneno não fez efeito, era um veneno que devia ser instantâneo e matar um cavalo, mas talvez só matasse cavalos, cada animal tem suas enzimas próprias e bateu no estomago dela e não fez efeito, as mulheres são mais fortes do que os cavalos, comprovadamente. Estou falando sério. Ela ficou ham hum ham hum e me deu endive para comer e tudo isso foi me irritando e eu dei o veneno para ela e o veneno não fez efeito e eu agarrei ela pelo pescoço e esganei. E você é a culpada. Claro que você é a culpada, eu te disse que ia matar a Lavínia e você concordou. Implicitamente. O que você vem fazer aqui? Juro que é verdade, ela está estendida aqui na minha frente, a santa, já começou a esfriar. Não sei o que vou fazer com o corpo! Eu estou calmo, eu estou calmo, até onde um assassino calouro pode manter-se calmo. Então vem, então vem. Então acaba de tomar banho e vem. (Desliga o telefone.) Vai demorar uma hora para chegar. Eu sei como ela é.
Toca o telefone. José Roberto tira o telefone do gancho e ouve.
JOSÉ ROBERTO (ao telefone. Surpreso)
Ham hum. (Ouve.) Hum ham. (Desliga o telefone.)
José Roberto senta-se, pensativo.
Tocam a campainha. Ele pega Lavínia e a coloca sentada na cadeira. Som de passos.
VOZ DE HOMEM
Lavínia? Você está ai, Lavínia? Trouxe o material, meu amor.
Um homem surge na porta da cozinha.
JOSÉ ROBERTO
Quem é você?
HOMEM
Silas. Meu nome é Silas. Vim trazer uma encomenda para dona Lavínia. (Nota agora, Lavínia, sentada na cadeira.) Que que houve com ela?
JOSÉ ROBERTO
Silas. Você é o cara que falou comigo no telefone. (Imita) Meu amor, estou levando o material.
SILAS
Pensei que era ela que tinha atendido, que estava resfriada. Você me enganou com o hum ham. Você é o marido?
JOSÉ ROBERTO
Sou o marido. E você quem é, meu amor?
SILAS
Você não ia sair?
JOSÉ ROBERTO
Mas não saí.
SILAS
O que houve com ela?
JOSÉ ROBERTO
Desmaiou.
Silas se aproxima. Olha o corpo.
SILAS
Lavínia, Lavínia, eu volto depois. Tchau.
José Roberto se põe na frente dele.
JOSÉ ROBERTO
Que material você trazia pra ela, meu amor?
SILAS
Isso é maneira de dizer. Trato todas as clientes de meu amor.
JOSÉ ROBERTO
Clientes?
SILAS
Doutor, doutor, sou eu quem fornece o pó para vocês.
JOSÉ ROBERTO
Pó? Para nós? Você está maluco? Eu não tomo nem pó de guaraná.
SILAS
A Lavínia cheira forte.
JOSÉ ROBERTO
Eu não sabia de nada disso. Seu traficante escroto.
SILAS
Tem muita coisa que você não sabe.
JOSÉ ROBERTO
O que, por exemplo?
SILAS
Deixa pra lá.
JOSÉ ROBERTO
Deixa pra lá porra nenhuma.
SILAS
E a culpa não é dela.
JOSÉ ROBERTO
É minha?
SILAS
Isso acontece. Podia acontecer comigo, mas aconteceu com você.
JOSÉ ROBERTO
O que aconteceu comigo?
SILAS
Ela me contou tudo, mas não fica bem eu falar, e ela pediu segredo. Você devia ter procurado um medico, meu chapa. Ela sofreu muito, demorou muito até, até... E eu sempre tratei ela com muito carinho... Ela disse que depois que nós, sabe como é, que é, sabe como é, ficamos íntimos, a relação dela com você melhorou muito. Quer dizer, você continua ao dando no couro, mas ela te trata bem, cuida do teu colesterol, mandou o pai dela te dar um aumento de salário, arranjou um remédio para tua caspa. Enfim, a vida de vocês melhorou muito.
JOSÉ ROBERTO (falando com seus botões)
Ela me enchia de endive enquanto me corneava. (Protestando.) Eu nunca tive caspa.
SILAS
Mas ela te trata bem, não trata?
JOSÉ ROBERTO
Tratava.
SILAS
Sabe por quê? Porque é uma mulher satisfeita. Modéstia a parte, isso você deve a mim. Tratava? Não trata mais? (Para Lavínia.) Hei, benzinho, trata bem ele.
JOSÉ ROBERTO
Devo estar sonhando.
SILAS
Ela está com uma cor esquisita. (Silas segura a mão de Lavínia.) A mão dela está fria. (Silas solta a mão de Lavínia. O braço de Lavínia balança desamparado.) Lavínia, Lavínia! Que marcas são essas no pescoço dela?
Silas recua. Os dois homens se olham.
SILAS
Eu acho melhor eu ir embora.
JOSÉ ROBERTO
Está com pressa?
SILAS
Tenho outra entrega para fazer.
JOSÉ ROBERTO
Como é que era? Vocês dois na cama?
SILAS
Tenho que ir.
José Roberto se põe na frente de Silas.
SILAS
Eu estou armado, meu chapa.
JOSÉ ROBERTO
Mostra a arma.
SILAS
Sai da minha frente.
JOSÉ ROBERTO
Mostra a arma, quero ver.
Silas tira uma faca da cintura.
SILAS
Sai da minha frente senão eu te corto.
JOSÉ ROBERTO
Você está pensando que eu sou broxa, não é? Não sou não, dou duas de pau dentro.
SILAS
Não foi isso que a Lavínia me contou.
JOSÉ ROBERTO
Você pra foder minha mulher tinha que cheirar pó, seu raquítico de merda. Olha aqui o meu braço! Está vendo o muque? (José Roberto tira o paletó, arregaça a manga e mostra o bíceps.) Mostra teu muque. Anda, mostra, fuinha, pilantra, traficante, analfabeto.
SILAS (brandindo a faca.)
O muque está aqui, seu corno broxa.
JOSÉ ROBERTO (abrindo uma gaveta da mesa e tirando uma faca comprida de cortar carne de dentro da gaveta. A gaveta cai no chão com um forte estrepido, espalhando garfos e facas.)
Eu não sou broxa, seu filho da puta.
SILAS
Eu ensinei sua mulher a foder. Ensinei sua mulher a rir.
José Roberto se atira sobre Silas e o golpeia no peito com a faca.
SILAS (pondo a mão no peito e cambaleando)
Você me pegou, me pegou feio.
JOSÉ ROBERTO
Então, heim, heim? Quem é o broxa?
SILAS
Você.
José Roberto levanta o braço para dar outro golpe.
SILAS
Chega, meu chapa. (Vira as costas para José Roberto e caminha lentamente em direção a pia.) nunca machuquei ninguém. Esta faca é só pra fazer farol... para impressionar os trouxas... (solta à faca, que cai no chão.) Meu negócio é dar felicidade para os outros. (Volta o rosto para José Roberto, cansado e melancólico.) Para as mulheres, principalmente.
Silas abre a torneira. Apóia-se na pia. Baixa a cabeça. Deita-se no chão.
JOSÉ ROBERTO
Hei, fuinha, levanta daí. Vou botar um bandeide nesse arranhão e você vai ficar novinho em folha. (José Roberto curva-se sobre Silas.) Não vai morrer e deixar a bomba na minha mão, seu bunda suja. Hei, hei (José Roberto sacode o corpo de Silas com força), seu subnutrido de merda, raquítico escroto, favelado fedorento, vai morrer com uma facadinha que não mata uma galinha? Isso parece um sonho, o filho da puta morreu, caramba!
Passos. Uma mulher surge na porta.
JOSÉ ROBERTO
Porra, Regina, você demorou demais e eu acabei fazendo outra cagada.
REGINA
Eu estava tomando banho quando você telefonou. Eu demoro secando e penteando os cabelos. Você sabe disso.
JOSÉ ROBERTO
Já pedi mil vezes para você cortar os cabelos.
REGINA
Você disse para eu NÃO cortar os cabelos.
JOSÉ ROBERTO
A culpa é sua. Eu matei a Lavínia por sua causa. Ai esse sujeito apareceu e disse que eu era broxa. Sabia que a Lavínia cheirava cocaína?
REGINA
Você matou ela porque ela cheirava cocaína?
JOSÉ ROBERTO
Não, não. Quando eu disse a você que ia abandonar Lavínia você me disse que eu não tinha coragem porque o dinheiro era dela.
REGINA
Eu disse isso?! Você está maluco?
JOSÉ ROBERTO
Isso parece um sonho.
REGINA
Você anda mesmo sonhando. Quando foi que eu disse isso?
JOSÉ ROBERTO
Ontem. Na sua casa.
REGINA
Ontem foi quarta-feira. Você nunca vai lá em casa nas quartas-feiras. Segundas, quartas e sextas você vai ao cinema. Para criar um padrão, como você mesmo diz.
JOSÉ ROBERTO
Isso parece um sonho.
REGINA
E agora?
O telefone toca.
JOSÉ ROBERTO
A coisa que eu mais odeio depois de dentista e endive é telefone.
REGINA
Atende.
JOSÉ ROBERTO
Tem uma coisa que eu nunca contei e devia ter te contado.
REGINA
Atende o telefone.
José Roberto atende o telefone.
JOSÉ ROBERTO (ao telefone)
Tem uma coisa que eu nunca te contei e devia ter contado. Aquela coisa de eu ir ao cinema nas segundas, quartas e sextas... O que? Está certo, eu me confundi, mas terças e quintas, bem, isso era mentira, eu não ia ao cinema nas terças e quintas, eu ia me encontrar com Regina. Quem é Regina? A minha outra namorada. Espera ai, espera ai, deixa eu te explicar, sou um homem dividido, um homem pode amar duas mulheres com o mesmo fervor, procura entender, minha querida. Outra coisa: foi você que disse que eu não podia me separar da Lavínia porque ela era dona do dinheiro?
REGINA (arrancando o telefone da mão de José Roberto com violência)
Alô, como é o seu nome? Sílvia? Olha aqui, Silvia, esse pulha enrolava nós duas. Segundas, quartas e sextas com você, terças e quintas comigo e aquele papo do cinema para criar um padrão. Ele também pedia para você chamar ele de brutamontes fodedor? (Regina dá vários socos no peito de José Roberto, que não se defende.) Estou batendo nele sim. Como? Dando socos no peito do brutamontes fodedor. Bater de leve? Sua idiota, ele tava passando você passando você para trás, estava me passando para trás e agora inventa que matou a mulher por nossa causa. Sim, estou dizendo, ele matou, ma-tou a mulher. Foi você quem disse que Lavínia era dona do dinheiro, não foi?
JOSÉ ROBERTO
Caramba, parece um sonho.
REGINA
Então vem. (Desliga o telefone.) Ela está vindo para cá.
JOSÉ ROBERTO
Que bom, a Silvia é uma pessoa muito prática.
REGINA (dando socos em José Roberto)
Eu também sou muito pratica, seu idiota. Vamos esconder o corpo desses dois infelizes.
JOSÉ ROBERTO
Você será considerada cúmplice se descobrirem. É melhor você ir embora.
REGINA
Quem é esse sujeito que chamou você de broxa?
JOSÉ ROBERTO
Um traficante de cocaína.
REGINA
Defunto barato. O problema vai ser o cadáver da Lavínia.
JOSÉ ROBERTO
Você é um gênio. Maior do que Renan.
REGINA
Quem é o Renan?
JOSÉ ROBERTO
O cabeleireiro dela.
REGINA (dando um soco em José Roberto)
Pára de confundir as coisas. Eu sou Regina, a outra é Silvia. Ela é loura ou morena?
JOSÉ ROBERTO
Loura.
REGINA
Uma loura e a outra morena. Para variar, seu cachorro.
JOSÉ ROBERTO
Nem pensei nisso.
REGINA
Esse closet tem chave? Vamos esconder os corpos aí dentro e depois pensar calmamente no que vamos fazer. Onde está a empregada de vocês?
JOSÉ ROBERTO
Hoje é dia de folga dela.
Os dois levam os cadáveres para o closet. Limpam o chão. Apanham no chão a gaveta de talheres, colocam no lugar e arrumam nela as peças espalhadas pelo chão. Ouve-se a campainha.
JOSÉ ROBERTO
Deve ser a Silvia. (Sai.)
REGINA (acende um cigarro, anda pela cozinha)
Preciso largar este vicio maldito, acho que vou fazer aquele tratamento com laser... Pela cozinha você pode saber quem é a mulher. Pela cozinha e pelo banheiro. Aposto que o banheiro está entulhado de perfumes, cremes, xampus, pomadas, depiladores, antimicóticos, desodorantes e uma balança. É o tipo de mulher que se pesa e se olha no espelho, se pesa e se olha no espelho. Ela não tem um cheiro, um pelo fora do lugar, uma carninha fora do lugar. Não tinha, agora morreu. Morreu, se fodeu. (Levanta o guardanapo que esconde o livro de receitas de cozinha.) Um livro de receitas de cozinha... Agora as dondocas deram para cozinhar, ficou na moda... Quero ver elas arearem as panelas... Salada meridional... três maçãs, dois tomates, um pimentão vermelho, um aipo pequeno, suco de limão, páprica... (Folheia o livro.) Salada de endives com abacate... salada de couve-flor crua com maçã... salada de cenoura crua com agrião e pepino... Este livro só tem salada... Isso não é cozinhar, cozinhar é ensopadinho, feijoada, sopa de entulho, rabada com polenta, carne assada com batatas coradas e molho de ferrugem, tem que ir no fogo, porra!
Entram Silvia e José Roberto. As duas mulheres se olham.
REGINA
Uma loura e outra morena. Uma de cabelo curto e outra de cabelo comprido. Uma magra e outra gorda. Cachorro diversificador!
JOSÉ ROBERTO
Esta é a Regina, esta é a Sílvia.
SILVIA
Vamos ao que interessa. Onde está o cadáver?
REGINA
No closet.
Silvia vai até o closet, abre a porta.
SÍLVIA
São dois? Quem é esse homem?
REGINA
Um sujeito que chamou ele de broxa.
SÍLVIA
Você matou um homem porque ele chamou você de broxa?
JOSÉ ROBERTO
O nome dele é Silas. É um traficante. Ele estava tendo um caso com a Lavínia.
REGINA
Isso você não me contou. Então a santa estava dando por ai, sendo comidinha de traficante. E cheirava cocaína. (Para Sílvia.) Você sabia que ela cheirava cocaína? A santa?
SÍLVIA
Como foi que você foi fazer uma coisa dessas?
JOSÉ ROBERTO
Meu bem...
SÍLVIA
Não me chama de meu bem.
JOSÉ ROBERTO
Não sei como isso aconteceu. Foi sem querer.
SÍLVIA
Você me disse que ia matar a Lavínia e eu não acreditei.
JOSÉ ROBERTO
Eu não queria, comprei um veneno com o prazo de validade vencido e depois agarrei ela pelo pescoço como se a estivesse agarrando pelo braço e quando fui ver tinha esganado ela.
REGINA
E o homem?
JOSÉ ROBERTO
Ele puxou uma faca para mim. (Abre a gaveta de talheres.) caramba, olha, essa faca aqui, está vendo como é diferente? É a faca dele. Não foi porque ele me chamou de broxa. Vocês sabem que eu não sou broxa. Não sabem? Não vão responder?
SÍLVIA
Teu carro está na garagem?
JOSÉ ROBERTO
Está.
SÍLVIA
Um traficante pode aparecer morto em qualquer lugar que ninguém dá bola. Traficante morto é a coisa mais natural que existe.
REGINA
Nem dá mais no jornal.
SÍLVIA
Então? A gente põe ele no carro e deixa num lugar deserto. Depois agente vê o que fazer com a Lavínia.
JOSÉ ROBERTO
Não precisa ir todo mundo. Bastam dois.
REGINA
Você e uma de nós.
JOSÉ ROBERTO
Ou vocês duas. Eu fico para atender o telefone.
Regina dá socos em José Roberto.
SÍLVIA
VOCÊ e uma de nós. Par ou ímpar?
REGINA
Par. Não, impar. Um, dois e três. Você ganhou. Eu vou.
Os três tiram o corpo de Silas do closet. José Roberto sai por um momento e volta com um lençol. Enrolam o corpo de Silas no lençol. Depois, Regina e José Roberto, um segurando em cada extremo do corpo, saem da cozinha.
SÍLVIA (abrindo a geladeira)
Só coisa de dieta. Quem tinha de fazer isso era eu, comer legumes, beber Coca-diet, malhar na academia, deixar de ser gordinha. Por enquanto passa, eu sou nova, as pessoas não me acham gorda, me acham opulenta. Mas essa sirigaita me chamou de gorda, eu fingi que não ouvi mas ela me chamou de gorda, (imita Regina) uma magra e outra gorda... Ela é minha rival, rivais dão golpes baixos, mas talvez ela tenha razão, daqui a pouco todo mundo vai me achar primeiro encorpada, depois nédia, depôs gordinha, depois gorducha, canhão, bucho, estrepe, eu sei, é assim que eu chamo elas. Aqui na barriga eu já posso sentir um pneuzinho maroto, e aqui, aqui em cima do peito, junto do braço tem essa gordurinha saliente, e aqui nas costas é só usar um sutiã apertado que a enxúndia aparece. Eu sou uma mulher pélvica, as mulheres pélvicas engordam mais que as mulheres claviculares, como esta Regina. Abre o olho Sílvia. (Pára na porta do closet.) Eu sou mesmo uma desalmada, egoísta, pensando nas minhas banhas enquanto uma infeliz está morta ali dentro. Morta, para sempre, e se tem céu não sei se ela merece ir para o céu, cheirando cocaína e corneando o marido, ainda que ele merecesse. Ai meu Deus, o que estou fazendo aqui, ajudando um criminoso a esconder um cadáver só porque ele é meu namorado e eu o amo. Ele não merece mas eu o amo, eu tenho que amar alguém, é melhor amar um safado do que ficar chupando o dedo. E está faltando homem no mercado. Porra, como está faltando homem... no tempo da minha mãe sobrava... Eu gostaria tanto de ouvir um pouco de musica agora, comer um sonho de valsa, esquecer tudo e ir para a cama com o meu brutamonte fodedor. (Acende um cigarro.) Também gostaria de deixar de fumar, mas se deixar de fumar eu engordo. A vida é dura.
Som de passos. Regina e José Roberto entram na cozinha.
REGINA
Deixamos o corpo num lugar deserto.
SÍLVIA
José Roberto, tenho uma coisa muito importante para dizer. Isso interessa também a você, Regina. É o seguinte: você tem que escolher entre nós duas. Com as duas não dá. Ou uma ou outra.
JOSÉ ROBERTO
Vamos deixar isso para depois.
REGINA
Agora. Também não gosto de repartir nada.
JOSÉ ROBERTO
Caramba.
REGINA
Caramba porra nenhuma.
SÍLVIA
Vamos. Decide.
JOSÉ ROBERTO
Um homem é capaz de amar duas mulheres ao mesmo tempo...
REGINA
Papo furado.
JOSÉ ROBERTO
Assim como pode gostar de poesia e musica ao mesmo tempo...
SÍLVIA
Eu sou o que? Música ou poesia?
JOSÉ ROBERTO
O que você é? Poesia.
REGINA
Ela é poesia? Essa gorda? Se há uma coisa que não combina com poesia é gordura.
SÍLVIA
Não quero brigar, podia chamar você de feixe de ossos, comida de cachorro, mas não quero brigar. Você é a poesia, eu sou a musica, tudo bem. Mas eu estudei Letras na faculdade.
REGINA (gritando)
Eu também estudei Letras!
SÍLVIA
E as minhas olheiras? O José Roberto adora as minhas olheiras. Eu tenho olheiras, você não tem.
REGINA
Essas olheiras são falsas. (Regina avança para Sílvia e com o dedo tenta apagar as olheiras de Sílvia.) Louras não tem olheiras.
As duas se engalfinham, caem, rolam pelo chão.
JOSÉ ROBERTO
Caramba! Parece um sonho. Essas mulheres enlouqueceram. Meninas, meninas! Vamos parar com isso! Sílvia, Regina, parem com isso. (Joga-se entre elas. Grita.) Nós temos que sumir com o cadáver de Lavínia.
As mulheres param de brigar. Ajeitam as roupas, os cabelos.
REGINA
O problema é seu. Não tenho nada com isso. E afinal, você vai ficar com quem? Comigo ou com ela?
JOSÉ ROBERTO
Você acha que eu tenho cabeça para resolver isso agora? Eu amo vocês duas, juro por Deus! Depois eu decido.
REGINA
Assim que agente sumir com o corpo de Lavínia.
JOSÉ ROBERTO
Assim que agente sumir com o corpo de Lavínia. Prometo, juro.
SÍLVIA
Vou fazer um cafezinho. Você gosta dele forte, não é, amor?
REGINA
Não muito forte. E ele usa adoçante artificial. Três gotas.
SÍLVIA
E você pensa que eu não sei? (Abre os armários, procura.) Está tudo mal organizado, você não acha nada, ah, está aqui o café, os filtros de papel, agora é só botar na cafeteira, ligar e pronto.
JOSÉ ROBERTO (enquanto toma café)
E se agente emparedar a Lavínia? Emparedar uma pessoa não é uma coisa aviltante. E talvez os vermes não comam o emparedado, talvez ele seque como uma múmia. (Percebendo duvida no rosto das mulheres.) Não? É uma pena. Lavínia adoraria não ser comida pelos vermes.
SÍLVIA
Aqui na parede da cozinha?
JOSÉ ROBERTO
Eu tenho uma parede muito boa na área interna que dá para o pátio, o pátio está em obras e os pedreiros deixaram picaretas, areia, cimento, tudo, e só voltam segunda-feira. Venham ver só.
Saem todos. Silencio. Vemos apenas a cozinha vazia um tempo enorme, um tempo irritante, que parece que não passa, que sugere que nada mais vai acontecer, que faz supor que acabou o espetáculo. Alguém na platéia bate palmas. Imediatamente ouve-se um ruído forte e profundo de impacto, e mais outro, batidas que ressoam no espaço da cozinha. Depois um estrondo assustador.
REGINA (off)
Você jogou a parede no chão, seu maluco!
Silencio. Trinta segundos. Entram José Roberto, sujo de detritos, carregando uma picareta, Regina e Sílvia.
JOSÉ ROBERTO
Há coisas que só acontecem comigo. Na casa de meu avô tinha uma parede que precisava ser demolida, de tijolo, só tijolo, e foi preciso um trator, sabe aquele de esteiras?, foi preciso um trator para derrubar a parede.
REGINA
E acharam sua avó emparedada, mumificada e feliz?
JOSÉ ROBERTO
Vou pegar a Lavínia pelo braço e esgano ela, dou uma facadinha à-toa no traficante e mato o sujeito, dou uma picaretada na minha parede e ela desaba. Caramba!
SÍLVIA
Teu astral não está bom. Você devia tomar um banho de sal grosso.
REGINA
E deve ter acordado os vizinhos.
JOSÉ ROBERTO
A casa mais próxima está a mais de duzentos metros. E as arvores abafam o ruído. Os vizinhos que poderiam ouvir são um casal de surdos.
REGINA
É. É um casal de surdos.
SÍLVIA
São um casal de surdos.
JOSÉ ROBERTO
Não vamos brigar por isso. Foda-se a concordância gramatical. Vou tomar um banho.
José Roberto sai.
REGINA
Ele é assim. Foda-se a concordância gramatical, foda-se a lógica, foda-se a fidelidade, foda-se a esposa, fodam-se as namoradas.
SÍLVIA
SÃO um casal de surdos.
REGINA
Fodam-se, foda-se o casal de surdos! (Toma um café.) Foda-se esse café frio! Há quanto tempo você namora com ele?
SÍLVIA
Quatro meses.
REGINA
Eu namoro há oito. No principio ele se encontrava comigo nas segundas, quartas e sextas, depois... Espera ai, tem exatamente quatro meses que ele disse que não podia mais se encontrar comigo nas segundas, quartas e sextas e passou a me ver nas terças e quintas. Foi quando ele te conheceu. Cachorro. O próximo passo dele é me largar, arranjar outra e passar você para as terças e quintas. Acho que até já sei quem é. Ele tem me falado muito numa mocinha que estuda balé.
SÍLVIA
Luciana. Ele me falou nela também.
SÍLVIA E REGINA (simultaneamente)
Filho da puta!
REGINA
Nós fomos os brinquedinhos dele. Quando ele enjoa, joga fora. Daqui a quatro meses ele passa a jovem bailarina para as terças e quintas, que serão os teus dias, e você está fora do esquema. E depois será a vez da bailarina dançar de verdade. Tenho certeza de que antes de nós, havia outras duas chamando ele de brutamenotes fodedor. Que ele descartou também.
SÍLVIA E REGINA
Filho da puta!
SÍLVIA
E nós bobamente escondendo os cadáveres desse traidor.
REGINA (limpando os olhos)
Eu amo esse cara.
SÍLVIA
Você está chorando?
REGINA
Estou. E você não está com vontade de chorar?
As duas se abraçam chorando.
REGINA (chorando, pega o telefone)
Acho melhor agente chamar a polícia. (Disca.) É da polícia?
José Roberto surge, nu, com a picareta nas mãos.
JOSÉ ROBERTO
Vocês estão chamando a policia? Querem me ver na cadeia? (Levanta a picareta sobre a cabeça.) Vou matar as duas.
SÍLVIA (chorando)
Você é um homem bom, doce e gentil.
REGINA (chorando)
Eu pedi para você matar uma barata e você não matou. Lembra?
José Roberto se aproxima das mulheres com a picareta nas mãos. Abraçam-se. Beijam-se. Ouve-se a campainha.
JOSÉ ROBERTO (olhando pela janela da cozinha)
É a vizinha surda. Caramba! Parece um sonho.
REGINA
Vai se vestir. Deixa que eu falo com ela.
FIM
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Dieta da cenoura - parte 2.
Uma amiga de uma amiga comeu muita cenoura e acabou ficando preta. Será que eu vou ficar preta!? Essa minha amiga disse que não é um preto "preto", é um preto fosco. Como eu não tenho uma cor definida, decidi parar de comer duas cenouras por dia. Só como uma. Até porque eu já engordei 2 quilos de outubro pra cá. Deve ser por conta da cenoura.
Fotografista
Segue agora um trabalho artístico. Minha primeira fotografia de estúdio!!! Bom, na aula de fotografia o professor nos passou um trabalho: copiar uma propaganda.
Escolhemos a seguinte:
Legal né!? Agora segue a que eu fiz, sem o auxilio do Photoshop:E agora com o auxilio do Photoshop (leia-se Thauan, que não me ajudou, só fez tudo pra mim. Você é o CARA!! ^^)
Escolhemos a seguinte:
Legal né!? Agora segue a que eu fiz, sem o auxilio do Photoshop:
E ficou assim. Acho que a modelo era meio gordinha. Talvez ela comesse muita cenoura...
Eu, etiqueta
Homenageando meu curso preferido (espero que tenham sentido um sarcásmo latente).
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados aos meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante, mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que o meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(Carlos Drummond de Andrade)
“O todo sem a parte não é todo;
Mas a parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.”
Mas a parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.”
Gregório de Matos.
In José Miguel Wisnik.
Poemasescolhidos.
SP, Cultrix, 1976.
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Dãa!!!
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
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